quarta-feira, 18 de agosto de 2010

VISITA DERRADEIRA





1
Na perfídia madrugada, o silêncio,
Toca-me suave e acordo de súbito,
Do corpo saindo o espírito no início,
Do sono, retornando ao mesmo abrupto.


Não que pesadelos me dominem a mente,
Essa nuvem tempestuosa e cinza, enigmática.
Ou que recorde de algum ente,
Morto, que chegue de forma enfática.


Nem o crocitar de corvos noturnos,
Nem o cortejo de fantasmas soturnos,
Ou meu íntimo tentando fugir da sorte,


E nada. Um olhar num poço escuro,
Paredes concretas de lodo obscuro
Na distância, os passos flutuantes da morte.
2
Nos jardins da ilusão a toda hora,
Hospedam-se meus particulares sonhos,
Aquecem-me e me deixam em abandono,
Acompanham-me um tempo e vão embora.


Adentro caverna, escura e morta,
Caminhos difíceis onde mora escombros,
E meu peito incerto e tristonho,
Só das visões noturnas se ancora.
Que exótico querer permeia-me!
O limbo e as hostes celestes aparecem-me,
Na minha frente, no escuro infinito.


Nesse desvairo sepulcral emergente,
Na alta hora dos espectros flutuantes,
A tua presença que agora fito,
3
Nunca o vi antes, não o conheço!
Mas sinto que preciso segui-lo depressa!
É alta a noite e à hora já avança,
Reclino-me a tua voz que há tempos ouço.


Nas horas mortais sigo-te assustado,
A ouvir caírem os gritos infernais,
Abrindo em cortes longitudinais,
O corpo e a mente totalmente fustigados.


Em seu negro mar mergulho ao profundo,
Nas visões das trevas noturnas, acolho uma,
A mais presente, ausente, repetida,


Teus dias foram poucos nesse mundo,
Tuas mãos pálidas e geladas Virginia,
És para mim a parte doce da vida.
4
Por muito tempo sofreu esta minha alma,
Em vagar por total incompreensão,
Agora ao te ver vindo da imensidão,
A mostrar-me novo mundo nova aura,


Às vezes te vejo nos dias da despedida,
Na cama a dormir um sono doente,
E das mãos, soltar as forças subitamente,
Num olhar fitando o nada, perdida.


Mas, no entanto, nada por ti sentia,
Eras para mim só mais alguém que morria,
Deixando a vida amarga e sofredora.


Mas ao vê-la no escuro, reconstruída,
Em uma forma etérea, saudosissíma!
Morte discreta, amiga libertadora!
5
Como te vejo bem depois dessa visita,
Já no cansaço, longo caminhar noturno,
Vendo a tua imagem entendo agora tudo,
Dos sonhos, da alma estando exausta.


Essas sombras esses gritos não me apavoram,
Não mais. Confio nos teus passos distintos,
Guiando-me por novos recintos,
Que podem ser além do que se imaginam...


A vida perfeita na morte encontrada,
A paz perdida em vida procurada,
A morte saudável da amarga vida ruim.


Prefiro a ausência da vida deplorável,
Na morte certa, temida, inviolável,
Onde toda a existência terá seu fim.
6
Quem se esquiva do desconhecido sofre,
Com teu ataque que será inevitável,
Com teu abraço frio e inquestionável,
Leito da morte, profunda e ilustre.


Eu me convenço da tua integridade,
De levar-nos quando o fardo é pesado
Demais, para continuar a ser levado,
Aceito esconder-me na tua notoriedade.


És o braço que embala o sono eterno,
A centelha que acende a luz do mistério,
A voz surda que a muito eu ouvia.


Sigo-te ininterrupto, não regressarei,
Vistam-me com as roupas de quem foi meu pai,
E enterrem-me na sepultura de Virginia.




tomb

Um comentário:

  1. Nossa, que texto é esse?!! Como você escreve divinamente, Tomb! Teu talento é inegável. Parabéns pelo belíssimo texto. Fiquei encantada. Bjs.

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